A viagem de 10 a 15 mil pessoas – entre tripulantes e passageiros – para o Brasil não foi nada fácil. A maioria delas, inclusive o príncipe regente, não estava acostumada a viajar; some-se a isso o trauma de fugir deixando tudo para trás, além de se espremerem nas embarcações, que estavam lotadas com pouquíssimo espaço até mesmo para dormir, com provisões limitadas e doenças que se espalhavam com facilidade nas embarcações.
Afora os percalços e incertezas por parte tanto dos lusitanos como dos brasileiros, com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, uma certeza ao menos se anunciava: o Brasil não aceitaria mais a sua condição de subalterno. A Abertura dos Portos para o comércio com as nações amigas – leia-se Inglaterra – ainda na passagem pela Bahia é apenas um dos passos de um processo, que já se evidenciava na disseminação e na influência dos valores em torno da Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos, e que irá culminar na ruptura dos laços entre metrópole e colônia.
É importante destacar que tendo em vista o processo de independência das colônias americanas o Brasil vai ocupar um lugar singular. Se nas colônias espanholas o distanciamento entre metrópole e colônias (em face da expansão napoleônica ou da noção de autogoverno) vai precipitar em guerras de independência e fragmentação territorial, no Brasil, a transferência da Corte, levará o Brasil a uma ruptura dos laços com Portugal gerido pela própria monarquia, preservando a unidade territorial brasileira e o regime monárquico.
Ao mesmo tempo, as relações de dependência para com a Inglaterra foram transferidas para o Brasil, o que se manteria mesmo após a independência do Brasil.
D. João vai escolher para se estabelecer o porto mais movimentado e lucrativo de todo o Império Português: o Rio de Janeiro. É fácil entender o encanto que tomou conta dos portugueses ao avistarem as maravilhas naturais da Baia de Guanabara. Contudo, a impressão ao desembarcar na cidade foi bastante diferente. Relatos contam o horror de muitos em relação à sujeira que gracejava na cidade, mencionando a grande quantidade de escravos que transitavam pela cidade, muitos deles fazendo o transporte de detritos em barris que são lançados ao mar, os chamados “tigres”.
O estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro vai proporcionar mudanças significativas, tanto internas como externas. Entre as modificações decorrentes do estabelecimento da família real no Brasil (ou Período Joanino), pode-se destacar:
- Em 18 de janeiro de 1808, por meio da Carta Régia (assinada ainda na escala em Salvador) efetiva-se a Abertura dos Portos às nações amigas, colocando-se fim ao famigerado Pacto Colonial e ao exclusivismo comercial (monopólio) que impossibilitava se não o desenvolvimento brasileiro, ao menos a sua integração à nova ordem capitalista. Com a Abertura dos Portos, todas as mercadorias seriam admitidas em alfândegas do Brasil, com o pagamente do imposto de 24% sobre o seu valor. Estavam permitidas também as exportações dos súditos ou estrangeiros, o que agradou os comerciantes locais, que já tinham experiência no comércio de escravos, podendo ampliar as possibilidades de lucro. Cabe lembrar, que neste momento França e Espanha não eram consideradas “nações amigas”, portanto, a Abertura dos Portos favoreceu sobremaneira os ingleses, que não teriam restrições para exportar mercadorias para o Brasil.
- A impopular medida de confisco das propriedades do Rio de Janeiro consideradas de bom padrão para o estabelecimento dos portugueses. Nessas casas eram assinaladas por um PR, remetendo a Príncipe Regente, que na versão popular se transformou em “ponha-se na rua” ou então “prédio roubado”. Alguns ofereceram de bom grado suas propriedades – é claro que receberam inúmeras recompensas para tanto – como no caso do comerciante de escravos Elias Antônio Lopes, que cedeu seu domicílio para D. João, a famosa Quinta da Boa Vista.
- O fim da proibição da instalação das manufaturas, que, no entanto, não foi suficiente para alterar o domínio do binômio latifúndio-escravidão.
- Suscetível às pressões inglesas, D. João VI assinou o Tratado de Paz e Amizade e o de Comércio e Navegação (1810), onde a Inglaterra recebia uma taxa alfandegária de 15% para os ingleses, muito menor que os habituais 24% que valiam para todas as importações, ou mesmo os 16% válidos para os produtos vindos de Portugal. Além disso, os ingleses tinham tribunais especiais e não sendo aplicável julgamento feito pelos portugueses, a contrapartida não se aplicava aos portugueses que se encontravam em domínios ingleses.
- O Brasil é elevado à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, em 1815. O Brasil deixa de ter o status de “colônia” e passa a figurar como sede do Império Português. Em 1816 morre a rainha D. Maria I, e em 1818 D. João é aclamado rei com o título de D. João VI, o primeiro e único monarca europeu a ser aclamado na América.
- Criação de instâncias jurídicas com a função de criar leis no território brasileiro e julgar causas.
- Criação de instâncias administrativas, econômicas, culturais e de interesse público, como o Real Hospital Militar; a Escola de Ciências, Artes e Ofícios; a contratação da Missão Artística Francesa em 1816 (com inúmeros artistas franceses, que serviram a Napoleão e posteriormente caíram em desgraça); a criação da Imprensa Régia; a criação do Real Erário; a fundação do Banco do Brasil, criação da Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação; a Biblioteca Real; o Jardim Botânico.
- Liberação da tipografia no Brasil e a instituição da liberdade de imprensa, com o surgimento dos primeiros jornais, como a Gazeta do Rio de Janeiro.
- Criação de fábrica de pólvora. Nos primeiros anos após a chegada, em retaliação a Napoleão, D. João ordenou a invasão da Guiana Francesa, e ordenou a conquista da Cisplatina (atual Uruguai).
- Liberação para a entrada de emigrantes no Brasil, com a fundação da primeira colônia de suíços, além da entrada de inúmeros judeus, perseguidos em Portugal. Para atender as reivindicações dos protestantes ingleses que se estabeleceram no país foi adotada também a liberdade de culto, com rituais em âmbito doméstico.
Todas essas alterações levarão a uma inversão de papéis, onde o Brasil passa a ocupar um posto de primeira grandeza, como sede do Império Português.
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