O conhecimento sobre o extermínio dos judeus durante a guerra


Um pequeno número de pessoas também tentava transmitir notícias do extermínio para o mundo além da Europa dominada pela Alemanha. No fim de julho de 1942, o industrial alemão Eduard Schulte, que mantinha bom relacionamento com membros destacados do regime, viajou para Zurique, onde contou a um amigo de negócios judeu que Hitler havia planejado a aniquilação total dos judeus da Europa até o fim do ano. Cerca de 4 milhões de judeus seriam transportados para o leste para serem mortos, provavelmente com uso de ácido sulfúrico, ele disse. A informação chegou até Gerhart Riegner, do Congresso Mundial Judaico, que tomou as providências necessárias nas embaixadas britânica e americana para transmiti-la por telegrama para seu quartel-general em Nova York. Tais relatos eram frequentemente recebidos com ceticismo entre as pessoas às quais eram dirigidos. A monstruosidade do crime parecia inacreditável. O governo dos Estados Unidos aconselhou o Congresso a classificar o relatório de Riegner como confidencial até ser verificado por fontes independentes. Informações mais confiáveis e precisas poderiam ser obtidas apenas por uma testemunha ocular. Uma das mais extraordinárias delas era Kurt Gerstein, um especialista em desinfecção no Instituto de Higiene da SS Militar. Gerstein foi enviado pelo Escritório Central de Segurança do Reich, no verão de 1942, para entregar 100 quilos de Zyklon-B em Lublin para um propósito não divulgado. Em 2 de agosto de 1942, ele estava em Belzec e viu quando chegou um trem repleto de judeus vindos de Lvov; eles foram forçados a tirar as roupas e levados por auxiliares ucranianos para as câmaras de gás, onde, segundo lhes disseram, seriam desinfetados. Lá dentro, tiveram de aguardar duas horas e meia, chorando e se lamentando, enquanto os mecânicos que estavam fora tentavam fazer que o motor a diesel funcionasse. Assim que o motor começou a funcionar, Gerstein observou meticulosamente, foram necessários apenas 32 minutos para matar as pessoas que estavam dentro da câmara. Protestante devoto, Gerstein ficou chocado com o que testemunhou. Na viagem de volta de Varsóvia a Berlim, expôs tudo isso a Göran von Otter, um diplomata sueco, que relatou os detalhes em um despacho para o Ministério das Relações Exteriores da Suécia depois de verificar discretamente as credenciais de Gerstein. O despacho ficou parado lá até o fim da guerra, mantido em segredo por funcionários que temiam que ele pudesse ofender os alemães. De volta a Berlim, Gerstein importunou o núncio papal, os líderes da Igreja Confessional e a embaixada da Suécia com sua história, mas sem conseguir nada. Entretanto, Gerstein não pediu demissão ou transferência de seu cargo, como seria de esperar. Continuou a entregar remessas de Zyklon-B para o campo, enquanto redobrava seus inúteis esforços para divulgar informações a respeito do que estava acontecendo. Por fim, escreveu três relatos separados a respeito do que havia visto, acrescentando informações obtidas com outras pessoas envolvidas. Ele os manteve em segredo, contudo, e foi somente no fim da guerra que os tornou públicos, entregando-os aos americanos. Preso como suposto criminoso de guerra, Gerstein se enforcou em sua cela em 25 de julho de 1945, provavelmente por remorso de ter falhado ou por culpa de não ter feito mais. 


Foi da Polônia que vieram os esforços mais determinados para contar ao mundo a respeito do programa de extermínio. Membros da resistência mandaram informações sobre as mortes nas câmaras de gás em Treblinka, assim que elas começaram, para o governo polonês exilado em Londres. Em 17 de setembro de 1942, o governo polonês no exílio deu sua aprovação para um protesto público contra os crimes que os alemães estavam cometendo contra os judeus, mas não organizou nenhuma ação concreta, não encorajando os poloneses a abrigar os judeus, nem os judeus a buscar proteção com os poloneses. Chamar muito a atenção para os judeus iria, de acordo com o ponto de vista do governo polonês exilado, desviar a opinião do mundo quanto ao sofrimento dos poloneses, enfraquecendo a tentativa do governo de lutar contra o programa de Stálin de fazer que os aliados reconhecessem a fronteira nazista-soviética estabelecida antes da divisão da Polônia em setembro de 1939. Alguns políticos no governo exilado acreditavam que havia influência judaica não apenas por trás de Stálin, mas também de Churchill e de Roosevelt. Ela poderia ser exercida a favor do reconhecimento da Linha Curzon. A situação se alterou somente quando, em 1942, Jan Karski, membro da clandestinidade polonesa, foi designado pela resistência para ir a Londres e relatar as condições na Polônia. A morte dos judeus ocupava um lugar bem baixo na lista de prioridades que lhe fora dada. Ao saber de sua missão, contudo, dois membros da resistência judaica persuadiram-no a visitar o gueto de Varsóvia e, mais provavelmente, também o campo em Belzec. Karski relatou o que vira quando finalmente chegou a Londres. 

Seu relato teve um efeito surpreendente. Em 29 de outubro de 1942, o arcebispo de Canterbury presidiu um grande protesto público no Albert Hall em Londres, com representantes das comunidades judaica e polonesa presentes. Em 27 de novembro de 1942, o governo polonês no exílio em Londres por fim reconheceu oficialmente o fato de que os judeus da Polônia e de outras partes da Europa estavam sendo mortos no território que ele pleiteava ser seu. Representantes do governo informaram Churchill, e, em 14 de dezembro de 1942, o secretário de Estado Eden entregou um relatório oficial a respeito do genocídio para o Gabinete do Reino Unido. Três dias depois, os governos aliados lançaram uma declaração conjunta prometendo a retaliação aos responsáveis pelo extermínio em massa dos judeus na Europa. Os aliados concluíram que o melhor jeito de interromper o genocídio era se concentrar em vencer a guerra o mais rapidamente possível. Bombardear as linhas ferroviárias que conduziam a Auschwitz e a outros campos daria apenas uma folga temporária aos judeus, e desviaria recursos e atenção do propósito maior de derrubar o regime que os estava matando. O que os aliados realmente fizeram, contudo, foi direcionar uma campanha maciça de propaganda contra o regime nazista. Começando em dezembro de 1942, os sistemas de propaganda britânicos e aliados bombardearam os cidadãos alemães com informações escritas e transmitidas via rádio a respeito do genocídio, prometendo retaliação. Em Berlim, confrontados com essas acusações, os propagandistas nazistas nem se deram ao trabalho de emitir uma declaração negando tudo. Em termos de contrapropaganda, disse Goebbels, “nem se deve pensar em uma negação completa ou parcial dessas alegações de atrocidades contra os judeus, mas simplesmente uma ação alemã que vai se relacionar com atos ingleses e americanos de violência no mundo todo [...] Deve ser assim, que cada grupo acuse cada grupo de cometer atrocidades. Esse clamor geral vai, no fim, fazer que esse tópico seja removido do programa”. 

O extermínio em massa dos judeus então se tornou um tipo de segredo conhecido por todos na Alemanha desde o fim de 1942 até o último momento, e Goebbels sabia que seria inútil negá-lo. 
(Evans, Richard J. O Terceiro Reich em Guerra / – São Paulo : Editora Planeta do Brasil, 2010)

Jan Karski

Imago História

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