Grandes Navegações (2 de 5) - O grande mar oceano


Na verdade, até poderiam ter sido os chineses os primeiros a conquistar as terras do novo continente. Eles já tinham há muito tempo uma avançada tecnologia naval que proporcionava os deslocamentos marítimos que permitiriam chegar ao território americano. Foram eles também que descobriram a pólvora, a mágica pólvora, que tanto impressionou os nativos da América Central, quando se depararam com os colonizadores espanhóis. Veja no quadro abaixo um pouco da grandiosidade dos empreendimentos marítimos chineses.

O que os chineses não tinham em comparação com os europeus era a preocupação em estabelecer bases comerciais em outros locais. Em outras palavras, não se preocupavam com os ideais e as necessidades expansionistas da sociedade portuguesa. Tampouco queriam os chineses, entrar em contato com outros povos considerados bárbaros (inclusive os europeus).

Os europeus por sua vez, já vinham expandindo seus contatos culturais, políticos e bélicos há muito tempo. Desde o movimento das Cruzadas, cristãos partiam da Europa e se aventuravam em peregrinações ao Oriente. Vez por outra saqueavam uma cidade; vez por outra tinham que enfrentar a fúria de seus oponentes. Os portugueses, já tinham, igualmente, através do movimento da Reconquista fortalecido o espírito guerreiro de seu povo, e com isso, livrado o seu território do domínio dos Árabes, que desde o século VIII marcavam presença na península ibérica.

Em resumo, os portugueses percebiam cada vez mais que existia um mundo de possibilidades para ser explorada, uma infinidade de riquezas disponíveis em outras partes do mundo, e que poderiam ser conquistadas, para a glória da monarquia portuguesa (e dos financistas e mercadores). A reconquista de seu próprio território se transformaria em conquista de praças estrangeiras: na África e no Oriente. Bastaria dominar os povos incivilizados, os infiéis, e lucrar. Acreditar em si mesmo, se impor frente à natureza, os nativos, os locais inóspitos, conquistar o mundo. 

Além dessa nova crença na capacidade humana – que vicejava em várias partes da Europa – algumas características muito particulares fizeram com que Portugal se lançasse vantajosamente na aventura marítima. Em primeiro lugar a centralização das decisões econômicas na figura do monarca permitiu o aumento da receita, sob a forma de impostos. Tratava-se de um capital que poderia estimular as atividades mercantis e marítimas. Assim, da tradicional pesca de sardinha, extração de sal e caça a baleia, os portugueses assistiram a um extraordinário desenvolvimento dos instrumentos náuticos. Seja sob a forma do aperfeiçoamento das embarcações, dos instrumentos para leitura das estrelas, navegação e elaboração de mapas; seja no aglutinamento de grandes estudiosos em técnicas de navegação, exploração e aperfeiçoando de técnicas marítimas, que dia a dia chegavam a Lisboa, agora uma das principais cidades da Europa.

A bússola indicava o caminho da riqueza, bastava lançar velas ao grande Mar Oceano. Ao oceano, porque o Mar Mediterrâneo estava sob domínio das cidades italianas, sobretudo, Veneza; a sereníssima dos vícios e virtudes, das riquezas e mercadores, das cortesãs, das joias, canais e gôndolas. Por outro lado, a rota terrestre, que passava por Constantinopla estava em mãos Turcas desde 1453. Era necessário, portanto, se arriscar nas Grandes Navegações, no tenebroso Atlântico, povoado por monstros, águas ferventes e precipícios; o Atlântico: limite do mundo conhecido, de onde se dizia nenhum marinheiro retornava.

O escritor português Luís Vaz de Camões, em seu poema Os Lusíadas (concluído em 1556) conseguiu realçar a coragem dos seus conterrâneos em desafiar o tenebroso Mar Oceano. Em sua obra surge o gigante Adamastor, que simboliza as superstições medievais em relação ao oceano Atlântico e Índico. Vamos acompanhar um pouco a aventura dos portugueses através das estrofes de Camões.

Na estrofe 39 e 40 o terrível gigante surge à frente do navegador. O monstro é enorme, tal qual o Colosso de Rodes (uma das supostas sete maravilhas do mundo antigo). A voz do gigante arrepia o cabelo e a carne da tripulação.
 

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Com tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!


Na estrofe 44 o gigante afirma que se vingará de seu descobridor Bartolomeu Dias (o gigante Adamastor é na verdade o Cabo das Tormentas – alcançado por Bartolomeu Dias – que mais tarde seria chamado de Cabo da Boa Esperança), e de todas as outras embarcações portuguesas. Vamos acompanhar as terríveis ameaças de Adamastor,

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus verei, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!

 
Contudo, no final das contas, Adamastor representa dentro do poema de Camões a vitória do homem sobre a natureza, sobre o desconhecido. Trata-se de superar o desafio, e mesmo com os riscos e ameaças que as navegações representavam seguir adiante. Assim, os desbravadores de mares iam pouco a pouco vencendo os temores e desanuviando os densos nevoeiros de lendas e superstições acerca das águas desconhecidas. Os monstros já não assustavam tanto. Os tempos eram outros, tempos de se desafiar os limites do mundo conhecido. 


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